CARTA ENCÍCLICA
FIDEI DONUM
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR 
EM PAZ E COMUNHÃO
COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBRE A SITUAÇÃO DAS MISSÕES CATÓLICAS
PARTICULARMENTE DA ÁFRICA 

 

1. O dom da fé que, pela liberalidade de Deus, traz as almas dos fiéis incomparáveis riquezas, pede que, sem cessar, demonstremos nossa gratidão a seu divino Autor. Com efeito, é a fé que nos introduz nos elevados mistérios da vida divina; nela se funda nossa esperança da bem-aventurança celeste; nela se firma e consolida, nesta vida transitória, o vínculo da comunidade cristã, conforme a palavra do apóstolo: "Um só Senhor, uma só fé, um só batismo" (Ef 4, 5). É por excelência o dom divino que faz brotar naturalmente o testemunho de nossa gratidão: "Que retribuirei ao Senhor por tudo quanto me concedeu?" (Sl 115, 12). Por essa divina liberalidade, haverá algo de mais agradável a oferecer a Deus, depois da devida submissão do espírito, do que levar sempre mais longe, entre os homens, o facho da verdade trazida por Cristo? Lembrados de tão grandes benefícios, devem, portanto, responder os homens, de modo particular, com grande zelo pelo desenvolvimento das sagradas missões, que são alimentadas pela chama da caridade cristã, pois, partilhando assim, do melhor modo possível, o dom da fé com os outros, darão provas de seu reconhecimento para com a celeste Divindade.

2. Considerando, de um lado, a imensa multidão de nossos filhos que, principalmente nas regiões possuidoras há muito do nome cristão, participam dos benefícios da fé divina; por outro, porém, reconhecendo ser incomparavelmente maior o número dos que, até hoje, aguardam o mensageiro da salvação, desejamos ardentemente, veneráveis irmãos, exortar-vos sempre mais a sustentar com todo empenho a causa santíssima que tem por fim a propagação, por todo o orbe da terra, da Igreja de Deus. Façam nossas exortações que o espírito de apostolado missionário surja e floresça com maior ardor nas almas dos sacerdote e, por seu ministério, infunda-se em todos os fiéis!

3. Esta questão, gravíssima por certo, já por várias vezes tratada por nossos predecessores, e pela qual nós mesmos, como bem o sabeis, mostramos nosso interesse por intensos esforços,(1) incite todos ao zelo apostólico, como o pede a consciência da fé recebida; que se voltem para as regiões da Europa que abandonaram a religião cristã, ou para as imensas plagas da América do Sul, esmagadas por grandes dificuldades que muito bem conhecemos; prestem auxílio às missões católicas da Oceânia e da Ásia, obras de grande importância, particularmente naquelas terras, onde se sustenta tão dura luta pelo Senhor; da mesma forma, dispensem a caridade fraterna aos inumeráveis cristãos, a nós tão caros, beleza e ornamento da Igreja, que merecem a bem-aventurança evangélica dos que "sofrem perseguição pela justiça" (Mt 5, 10). E, finalmente, entristeçam-se com a sorte lastimável de inúmeras almas; em especial dos jovens que, vítimas dos ateus de nossos tempos, crescem, tristemente mantidos na ignorância das coisas divinas. Reconhecemos, pois, que são necessários e devem ser realizados o mais depressa possível tantos empreendimentos e obras, a pedirem novo incremento na Igreja de forças apostólicas que façam acudir ao campo aberto do Senhor inúmeras falanges de homens, em nada diferentes dos que se levantaram nos primórdios da Igreja.(2) Entretanto, embora jamais cessemos, por nossos cuidados e preces, de acompanhar todas essas coisas, e mesmo as recomendamos insistentemente ao vosso zelo, neste momento julgamos absolutamente oportuno chamar vossa atenção para a África. Falamos da África que agora emerge para a humanidade mais civilizada de nosso tempo e para a maturidade política, e se vê a braços com circunstâncias de excepcional gravidade, talvez jamais igualada nos anais de sua antiquíssima história.

 

I. 
A SITUAÇÃO DA IGREJA NA ÁFRICA

 

Alegrias e preocupações

4. Têm os fiéis, na verdade, por que se gloriar e alegrar à vista dos salutares progressos feitos, nestes últimos decênios, pela Igreja na África. Apenas elevado à cátedra de Pedro, assegurávamos: "...não pouparemos esforço algum para que... a cruz, na qual está a salvação e a vida, lance sua sombra sobre as mais longínquas plagas do mundo"; (3) por esse motivo, cuidamos com todas as forças em estender também a essa terra a causa do evangelho. Disso dão testemunho as circunscrições eclesiásticas ali estabelecidas em grande número; o notável aumento de católicos que, dia a dia, se manifesta; e especialmente a hierarquia eclesiástica por nós constituída, em não poucos lugares, e vários sacerdotes africanos já elevados à dignidade episcopal, conforme a "mais alta meta" do trabalho missionário, que requer que "a Igreja nos outros povos seja estabelecida com firmeza, e lhes seja concedida sua hierarquia própria, escolhida dentre os indígenas".(4) E assim, na imensa família católica, as jovens Igrejas africanas assumem hoje seu legítimo lugar, enquanto as outras, mais antigas na fé, unidas na caridade fraterna, as saúdam, com júbilo.

5. O exército dos arautos do evangelho - sacerdotes, religiosos e religiosas, catequistas, auxiliares leigos não sem infinitos trabalhos suportados e sofrimentos tolerados, cuja violência, desconhecida dos homens, é unicamente conhecida de Deus, conseguiu obter essa cópia de frutos salutares. A todos e a cada um felicitamos vivamente, e manifestamos aqui nossa gratidão, pois a Igreja tem, abundantemente, motivos de gloriar-se santamente de seus missionários que, na África ou noutros lugares, cumprem sua missão. Os magníficos resultados dos trabalhos missionários, por nós lembrados, não devem, entretanto, levar ninguém a esquecer-se de que "o que ainda resta a fazer nesse domínio pede enorme trabalho e inúmeros operários". (5) Pois, embora haja quem julgue, erradamente, que a ação missionária, uma vez bem constituída a hierarquia, possa logo ser considerada concluída e quase perfeita, no entanto, a "solicitude por todas as igrejas" daquele continente nos preocupa e angustia extremamente. Na verdade, como não considerar, desta Sé Apostólica, com suma tristeza, seja a grave importância das questões que ali se agitam, relativas à propagação e conhecimento mais profundo da vida cristã, seja a indigência e exíguo número de operários apostólicos para arrostar tantos e tão grandes encargos? Nossos são esses cuidados e ansiedades, veneráveis irmãos, que vos confiamos; e vossa pronta e alegre resposta levante os ânimos de tantos apóstolos generosos para nova e melhor esperança. 

6. Bem conheceis e observastes as atuais circunstâncias, realmente dificílimas, em que, na África, a Igreja tenta promover suas sagradas embaixadas entre os naturais. Com efeito, a maioria dos países atravessa fase tão grave de mudanças nos campos social, econômico e político, que delas parece depender, na maior parte, o curso dos futuros tempos. Não se pode também deixar de considerar que os acontecimentos concernentes à comunidade das nações, influindo com freqüência cada vez maior sobre a vida interna de cada povo, nem sempre permitem, mesmo a governos prudentes, a possibilidade de levar os cidadãos àqueles progressos de vida mais civilizada que a verdadeira prosperidade dos povos postula. A Igreja, pois, que, em todo o curso de sua história, protegeu o nascimento e desenvolvimento de tantas nações, não pode deixar de olhar com a máxima atenção por aqueles povos que vê alcançarem a liberdade política. E nós mesmo, várias vezes, exortamos as nações interessadas a entrarem no caminho reto, levadas por sincero desejo de paz e de mútuo respeito. "Portanto, já que assim é - dissemos a algumas - não seja negada àqueles povos a justa liberdade política, que com o tempo vai aumentando, nem posto qualquer entrave a ela"; a outras, concitamos a "agradecerem à Europa seu acesso a essa dignidade; porque, sem o reconhecimento de sua influência em todos os domínios, poderiam, movidas por um amor cego ao próprio engrandecimento, cair na grave desordem antiga ou ser levadas à escravidão".(6) Agora, inculcando de novo esse dúplice conselho, nosso maior desejo é que se concilie na África uma frutuosa concórdia de todas as forças; que exclua de ambos os lados preconceitos e descontentamentos; supere os perigos e angústias de um patriotismo desregrado; e, finalmente, faça que, àqueles povos cujas riquezas naturais são grandes e aos quais o futuro sorri, possam ser comunicados os excelentes benefícios da educação cristã, que tanta vantagem já trouxeram aos povos dos outros continentes.

7. Não ignoramos, por certo, que, em várias regiões da África, os sequazes do "materialismo" ateu estão espalhando turbulentos germes que abalam a opinião pública, provocam à mútua inveja os diversos povos e desnaturam certas condições penosas, seduzindo os espíritos com a aparência de vantagens ilusórias, ou provocam os ânimos à revolta. Na nossa solicitude para que os povos da África alcancem a maior e igual prosperidade, tanto civil quanto cristã, desejamos dirigir-lhes graves advertências que, sobre o mesmo assunto, já noutra ocasião solenemente dirigimos a todos os católicos do mundo; e sentimos prazer em demonstrar nossa paterna aprovação aos sagrados antístites que, firmemente e por várias vezes, precaveram suas ovelhas contra os perigos dos falsos profetas.

8. Enquanto os adversários de Deus dirigem ativamente para esse continente suas insídias e esforços, surgem outras graves dificuldades, que embaraçam em certas regiões da África a propagação do Evangelho. Conheceis perfeitamente as concepções religiosas daqueles que, embora afirmem confessar o culto à Deus; no entanto atraem e seduzem facilmente os espíritos de muitos para outro caminho que não o de Jesus Cristo, Salvador de todos os povos. Nosso coração de pai comum está aberto para todos os homens de boa vontade; entretanto, somos na terra o vigário daquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida e não podemos, pois, deixar de considerar com suma tristeza esses fatos. Provêm de várias causas, na maioria acontecimentos da história recente. Contribuem em parte, também, para os mesmos, o procedimento de certas nações que, no entanto, se gloriam dos fastos de sua história resplandecentes de luz cristã. Eis por que sentimos não poucas ansiedades sobre a sorte do cristianismo na África. Eis por que, também, devem todos os filhos da Igreja se considerar obrigados a ajudar mais eficazmente e em tempo oportuno a obra missionária, para que a mensagem da verdade salvadora seja levada à chamada Africa "negra", onde cerca de oitenta e cinco milhões de habitantes ainda se entregam ao culto dos ídolos.

9. Acresce ainda, a gravidade dessas afirmações, o rapidíssimo curso dos acontecimentos, visível em toda a parte e que, sem dúvida alguma, não escapa aos sagrados antístites e aos principais católicos da África. Enquanto se esforçam os povos por encontrar novos caminhos e modalidades novas, e parecem alguns excessivamente seduzidos pelas ilusões da chamada civilização técnica, é santíssimo dever da Igreja dar a esses povos, na medida do possível, a excelência de sua vida e os benefícios de sua doutrina, donde nasça nova ordem social, baseada nos princípios cristãos. Qualquer hesitação, qualquer demora, será terrivelmente perigosa. De fato, os africanos, em relação à vida mais civilizada, fizeram nestes últimos decênios progressos que os povos da Europa ocidental levaram séculos a alcançar; e assim, com grande facilidade são abalados e seduzidos pelo ensinamentos científicos e técnicos; e sendo a orientação destes inteiramente materialista, tornam-se mais propensos a cair. Tal situação será, em alguns casos, dificilmente sanável e, com o correr dos tempos, muito prejudicará o incremento da fé, quer nas almas, quer na sociedade. É, portanto, necessário auxiliar logo os pastores para que, quanto antes, seu trabalho apostólico corresponda eficazmente às necessidades crescentes da época.

O apostolado missionário

10. Na realidade, os auxílios e socorros prestados atualmente às sagradas expedições estão muito aquém de satisfazer, quase por toda parte, as exigências das obras. Essa indigência, embora infelizmente não seja só da África, parece, no entanto, por causa das especialíssimas condições atuais, afetá-la mais do que as outras missões. Por esse motivo, julgamos oportuno, veneráveis irmãos, expor-vos um pouco mais amplamente algumas dessas questões. Para tomarmos um exemplo, as sedes de missões recentemente fundadas, que têm algumas vezes apenas um ou dois decênios, somente depois de longo tempo puderam contar com o auxílio eficiente do clero recrutado entre os indígenas. Acresce a isso o pequeno número de sagrados obreiros que, dispersos por tamanha imensidade, onde não raro ministros de seitas acatólicas espalham suas doutrinas, não conseguem prestar toda a assistência necessária. Aqui, quarenta sacerdotes se afadigam entre quase um milhão de indígenas, dos quais apenas vinte e cinco mil são católicos. Ali, cinqüenta ministros sagrados para dois milhões, sendo sessenta mil católicos a exigir que se voltem para eles, quase totalmente, as forças dos missionários. O verdadeiro católico não pode, absolutamente, descurar o que representam esses números. Com efeito, por vinte apóstolos enviados com a ajuda de outrem àquelas regiões, poderá hoje ser plantado o estandarte da cruz onde talvez amanhã, depois de haverem outros, não operários de Cristo, lavrado o campo do apostolado, não haja mais entrada para a verdadeira fé. Além disso, não é bastante anunciar o evangelho para o pleno cumprimento das sagradas missões; as atuais condições políticas e sociais da Africa reclamam imperiosamente que, dentre a multidão de fiéis, recentemente agregada ao evangelho, seja escolhido quanto antes um grupo de homens para serem instruídos e bem preparados. Até que ponto, portanto, é preciso aumentar o número dos missionários para conseguir-se também esta instrução e educação mais apurada de cada um? O inconveniente do pequeno número de apóstolos é quase sempre imensamente agravado pela necessidade material que atinge às vezes a indigência. Quem virá, generosamente, com auxílio conveniente, em socorro dessas missões recentes, que tanta necessidade dele têm, pois a maioria se encontra em regiões paupérrimas, muito aptas, porém, a receber o evangelho? Quanta tristeza sente o apóstolo com a falta de tantas coisas, quando há tanto que fazer; não pede, na verdade, a admiração, mas auxílios com os quais possa, onde forem dados com largueza, fundar novos estabelecimentos e sedes missionárias.

11. Quanto às missões, já há tempos constituídas e cujo número de fiéis e fervor da vida cristã nos enchem de consolo suave, as condições da obra missionária, embora bem diferentes, não manifestam menores causas de ansiedade. Em primeiro lugar, também aí o pequeno número de operários é uma questão crudelíssima. De fato, os que, naqueles territórios, governam dioceses ou vicariatos apostólicos têm por obrigação suscitar, sem demora, obras e empreendimentos, sem os quais o catolicismo, de modo algum, pode progredir e desenvolver-se: colégios, escolas para o ensino da doutrina cristã às diferentes classes de fiéis; institutos sociais, que possibilitem aos católicos mais dotados servir ao bem público em conformidade com o evangelho; escritos católicos de todo género a serem editados e disseminados largamente entre o público; da mesma forma, tudo que se relaciona com as mais recentes invenções empregadas nas comunicações entre os homens e divulgação de doutrinas, pois, como é notório, muito importa conquistar a opinião do público e formá-la para o bem. E, coisa ainda mais importante, o cuidado atento aos exércitos da Ação católica, a fim de que sempre mais cresça o ardor do apostolado. Deve-se, igualmente, atender às necessidades religiosas e culturais desta geração porque, se não lhe for dado abundantemente o pão da verdade, é muito de se temer que venha a procurar fora da Igreja um alimento proibido. Na verdade, para que os bispos, em seu zelo, bastem a todos esses encargos pastorais, têm necessidade, não apenas de maiores recursos, mas, e principalmente, de auxiliares idóneos para os diversos ministérios que são ainda mais difíceis por exigirem maior adaptação a grupos muito particulares. Instruir e preparar tais falanges de apóstolos não é nada fácil nem obra de um dia e, muitas vezes, estes mesmos são pouquíssimos. Por isso, torna-se mais urgente atender essa necessidade, para que tão excelentes e cultas inteligências não venham, infelizmente, a desistir de olhar com confiança para a Igreja católica. Aproveitemos a oportunidade para manifestar nossos profundos agradecimentos às congregações religiosas, a todos os sacerdotes e leigos entregues ao apostolado e que, persuadidos da gravidade de nossa época, prestaram e prestam seu auxílio, às vezes mesmo sem serem solicitados. Todas essas obras, que já trouxeram à Igreja tão grande proveito, juntamente com o entusiasmo de todos em se devotar, fazem brotar imensa esperança de frutos de salvação; a essa esperança abre-se largamente o campo do trabalho apostólico.

12. Em certos territórios aparece outra dificuldade, pois a grande acolhida feita ao evangelho requer que, com o tempo, o número dos apóstolos aumente proporcionalmente. Se tal não se der, o feliz progresso da fé correrá grave risco. Por essa razão, cada vez mais freqüentemente os institutos missionários recebem pedidos de auxiliares; entretanto, pela diminuição do número de novos membros, não podem satisfazer a todos ao mesmo tempo. Sabeis muito bem, veneráveis irmãos, não haver na África proporção entre o aumento dos fiéis e o dos ministros sagrados. Ali, cada dia mais avulta o clero indígena; contudo, esses sacerdotes somente mais tarde poderão receber com segurança o pleno governo do povo em suas dioceses, e ainda sempre com o auxílio dos missionários estrangeiros que os levaram à fé. Atualmente, não conseguem essas recentes comunidades cristãs estar à altura da gravíssima situação presente.

13. Por conseguinte, reconhecidas essas difíceis condições, acaso não se sentem na obrigação de socorrer as santas missões, muitos de nossos filhos, que não se preocupam em dar as devidas graças a Deus pelo dom da fé, recebido dos pais, nem pelos meios de salvação tão numerosos?

 

II.
A COOPERAÇÃO DE TODA A IGREJA

14. Essa situação do apostolado, sumariamente descrita, veneráveis irmãos, manifesta claramente que, na África, já não se trata de questões de âmbito estreito, concernentes apenas a alguns e que poderiam ser resolvidas gradativamente, sem qualquer relação com os interesses da comunidade cristã universal. Outrora "a vida da Igreja visível mostrava seu vigor principalmente nas antigas regiões da Europa donde... transbordava para as extremidades que bem podiam se chamar a periferia do orbe da terra; agora, ao contrário, se manifesta certa permuta de vida e de forças entre todos os membros do corpo místico de Cristo".(7) O que se dá com a Igreja católica na África não diz respeito apenas àquele continente, mas a todos os povos fora de seus limites. Portanto, de todas as partes da Igreja, ao apelo da Sé Apostólica, deve vir o auxílio fraterno para socorrer as necessidades dos católicos. 

15. Não seja em vão, veneráveis irmãos, que nos voltamos para vós em hora de tanta gravidade, para mais ampla extensão da Igreja. "Como em nosso corpo mortal quando um membro sofre, todos sofrem, e os sãos vêm em ajuda dos doentes; assim na Igreja os membros não vivem cada um para si, mas socorrem-se e auxiliam-se uns aos outros, tanto para mútua consolação, como para o crescimento progressivo de todo o Corpo".(8) Além disso, não são, com efeito, os bispos "os membros mais eminentes da Igreja universal, pois que se unem com nexo singularíssimo à divina cabeça de todo o corpo, e com razão se chamem os primeiros dos membros do Senhor?"(9) Deles, mais do que ninguém, pode-se afirmar que Cristo, cabeça do corpo místico, "precisa de seus membros... em primeiro lugar porque a pessoa de Jesus Cristo é representada pelo sumo pontífice e este, para não ficar ermagado sob o peso do múnus pastoral, precisa confiar a muitos parte de sua solicitude".(10) Portanto, estreitamente unidos a Cristo e a seu vigário na terra, movidos pelo sopro de ardente caridade, esforçai-vos, veneráveis irmãos, por participar daquela solicitude por todas as Igrejas (cf: 2 Cor 11, 28) que pesa sobre nossos ombros (cf. 2 Cor 5, 4). Vós mesmos, impelidos pela caridade de Cristo, considerai-vos profundamente ligados a nós neste gravíssimo dever: a dilatação do evangelho e a construção da Igreja em todo o mundo - jamais abandoneis o esforço para que, entre o clero e os fiéis, largamente se difunda o espírito de oração e zelo pelo mútuo auxílio, conforme a medida da caridade de Cristo. "Alarga, diz S. Agostinho, a caridade por toda a terra, se queres amar a Cristo, porque por toda a terra estão os membros de Cristo".(11)

16. Não há dúvida alguma de que somente ao apóstolo Pedro e a seus sucessores, os pontífices romanos, confiou Jesus Cristo o cuidado de todo o seu rebanho: "Apascenta meus cordeiros, apascenta minhas ovelhas" (Jo 21, 16-18). E, se cada bispo é o sagrado pastor apenas da porção do rebanho a ele confiada, no entanto, por instituição e preceito de Deus, é legítimo sucessor dos apóstolos e por isto responsável, juntamente com os outros bispos, pelo múnus apostólico da Igreja, conforme as palavras ditas por Cristo aos apóstolos: "Como o Pai me enviou, assim eu vos envio" (Jo 20, 21). Esta missão, que abraça "todos os povos.., até a consumação dos séculos" (Mt 28, 19-20), de modo algum terminou quando os apóstolos deixaram esta vida; ao contrário; ainda continua para os bispos em comunhão com o vigário de Jesus Cristo. Nesses, portadores do nome especial de "enviados", quer dizer, apóstolos do Senhor, reside a plenitude da dignidade apostólica, "principal na Igreja", como atesta S: Tomás de Aquino.(12) Brotado de seus corações, aquele fogo do apostolado; trazido à terra por Jesus Cristo, inflame os peitos de todos os nossos filhos e excite novo amor pela obra missionária da Igreja por toda a terra. Isso é necessário.

17. Além do mais, esse cuidado pelas necessidades da Igreja universal mostra verdadeiramente a catolicidade de natureza da Igreja viva. "O impulso da obra missionária - dizíamos há tempos - e o espírito católico são uma e mesma coisa. Ser católica é nota precípua da Igreja, de tal forma que o cristão de modo algum será consagrado e ligado à Igreja se, do mesmo modo, não se consagrar e ligar a todos os cristãos e se não desejar intensamente que em todos os povos lance ela raízes e floresça".(13) Nada há de mais contrário à Igreja de Jesus Cristo do que a divisão; nada prejudica tanto a vida do que se refugiarem seus membros em extremado isolamento, ou se voltem para si mesmos além da medida, ou enfim cuidarem unicamente, de qualquer modo que seja, dos interesses particulares do próprio grupo. Isso faz com que uma comunidade cristã, seja qual for, isole-se, fechada em si mesma. "Mãe de todas as nações, de todos os povos e de cada um dos homens", nossa santa madre Igreja "em parte alguma é estrangeira; ela vive ou, ao menos por sua natureza, deve viver entre todos os povos".(14) Repetimos - é preciso afïrmá-lo - nada do que pertence à Igreja, nossa Mãe, é estranho a cada cristão, nem o deve ser: como sua fé é a fé da Igreja universal, sua vida sobrenatural é a própria vida de toda a Igreja, assim as alegrias, as angústias da Igreja são suas alegrias e angústias; assim também as perspectivas e desígnios da Igreja, que tudo abarcam, serão as perspectivas e planos da vida cristã ordinária. Então, espontaneamente, as exortações dos pontífices romano, relativas aos grandes encargos apostólicos em todo o mundo, ressoam em seu coração, plena e autenticamente católico, como palavras que devem ser acolhidas com a máxima boa vontade e ponderadas com grande seriedade e solicitude.

 

III. 
O TRÍPLICE DEVER MISSIONÁRIO

18. Desde as origens, a santa Igreja, por sua própria natureza, é impelida a espalhar por toda parte a palavra divina; para cumprir esse dever imprescindível, jamais deixou de solicitar de seus filhos três auxílios: orações, assistência e, de alguns, o próprio dom de si mesmo. Também agora as santas missões, particularmente as da África, reclamam de todo o mundo estes três auxílios:

1) A oração pelas missões

19. Em primeiro lugar, portanto, veneráveis irmãos, pedimos as mais generosas e ardentes preces a Deus. Procurai por todos os meios que vossos sacerdotes e fiéis elevem instantes e ininterruptas súplicas por esta causa santíssima. Instrui-os bem e mantende-os regularmente ao corrente da vida da Igreja; dareis assim alimento ao zelo pela oração; seja esta ainda mais vivamente estimulada em certos tempos litúrgicos, mais propícios a nutrir e incentivar as santas missões. Pensamos sobretudo no santo Advento, porque nele revive a expectativa do gênero humano pelo Salvador e a providencial preparação da obra da salvação; na festa da Epifania, que manifestou aos homens a nova salvação; em Pentecostes que, ao sopro do Espírito Paráclito, celebra o nascimento da Igreja.

20. A oração mais excelente é a de Cristo Jesus, sumo sacerdote, e que dos altares diariamente sobe a Deus Pai na renovação do santo sacrifício da redenção. Por isso, nestes anos, dos quais talvez muito do futuro da Igreja em vários lugares dependa, seja oferecido pelas santas missões, no maior número possível, o sacrifício eucarístico, concordando assim com os desejos do Senhor, que ama sua Igreja e a quer viva e dilatada por todo o mundo. As súplicas particulares dos fiéis são perfeitamente legítimas; no entanto, convém lembrar-lhes a que fim, necessária e principalmente, se ordena a celebração do sacrifício do altar. O Cânon da missa declara: "Primeiramente... por vossa santa Igreja católica, para que vos digneis guardá-la em paz, uni-la e governá-la por toda a terra". Os fiéis compreenderão mais profundamente essas altíssimas perspectivas da Igreja, se refletirem sobre a doutrina por nós exposta na Encíclica Mediator Dei, onde ensinamos ser o sacrifício eucarístico uma ação realizada em nome da Igreja, porque "o ministro do altar faz as vezes de Cristo oferente, enquanto cabeça, em nome de todos os membros".(15) Por conseguinte, toda a Igreja oferece por Cristo ao eterno Pai sua oblação, "pela salvação do mundo". Por que não oferecerão os féis suas fervorosas preces a Deus nesse sacrifício, em união com o sumo pontífice, com os bispos e toda a Igreja, a implorar nova abundância dos dons do Espírito Santo, pelos quais "com extrema alegria todo o mundo exulta"?

21. Elevai sempre mais a Deus, veneráveis irmãos, instantes preces. Refleti atentamente sobre tantos povos, quase inumeráveis, mergulhados em angústias espirituais, por ainda vaguearem longe do caminho da verdade, ou por lhes faltarem os meios de perseverar. Permanecei suplicantes, unidos a Cristo, diante do Pai do céu, e por vós, sempre e sempre suba até ele a prece, própria aos apóstolos de todos os tempos, já proferida pelos primeiros apóstolos; "santificado seja vosso nome, seja feita vossa vontade assim na terra como no céu!" Unicamente preocupados com a honra e glória de Deus, desejamos ardentemente que seu reino, reino de justiça, de amor e de paz, seja estabelecido em todo o universo. Essa preocupação pela glória de Deus, unida à viva caridade fraterna, não poderá chamar-se, com toda a verdade, o zelo missionário? Recebem assim auxílio os obreiros apostólicos, aqueles que são os verdadeiros arautos de Deus.

2) A caridade para com as missões

22. Mas poderia a oração pelas santas missões vir de coração sincero sem ter por companheiros, na medida do possível, gestos de caridade? Quanto a estes, conhecemos, mais do que tudo, a grande liberalidade de nossos filhos; belos e contínuos testemunhos dela nos chegam. A esses espíritos generosos deve-se o maravilhoso incremento das missões, desde o início deste século. Queremos manifestar aqui nossa gratidão aos caríssimos filhos e filhas, pelo auxílio inteligente e cheio de caridade prestado às múltiplas obras das missões católicas; e, de modo especial, queremos louvar aqueles que, ligados às Pontifícias Obras Missionárias, assumiram o encargo nobilíssimo, mas às vezes ingrato, de esmolar em nome da Igreja, como mendigos, para as jovens cristandades das missões, objeto do orgulho e da esperança da Igreja. A esses diletos filhos agradecemos de coração, bem como a todos os que servem na S. Congregação "de Propaganda Fide", pois a estes, sob a direção do nosso dileto filho o cardeal prefeito, foi entregue o enorme peso de promover as missões em imensos continentes.

23. A responsabilidade do múnus apostólico, entretanto, nos obriga a confessar, veneráveis irmãos, que vossos subsídios, recebidos com tanta alegria, estão longe de poder satisfazer as inúmeras necessidades das missões. Diária e instantemente apelam para nós e nos solicitam, os pastores cruelmente premidos pela necessidade de promover o bem da Igreja, de afastar os inconvenientes, construir edifícios absolutamente necessários ou de fundar diversas obras de apostolado. Profunda tristeza nos invade, quando vemos a impossibilidade de responder, como seria necessário, a tão justos pedidos, e só podemos atendê-los em parte e de modo insuficiente. A Obra Pontifícia de São Pedro apóstolo é um exemplo. São, realmente, muito grandes os socorros enviados por esse Instituto às regiões missionárias; mas os candidatos ao sacerdócio, com a graça de Deus, aumentam de ano para ano nesses lugares e com isso exigem maiores auxílios. Será possível que jovens, chamados por providência divina ao sacerdócio, só possam ser admitidos em pequeno número por causa de escassez de recursos? E terão de ser excluídos dos seminários tantos moços - que aspiram com fervor ao sacerdócio e dão grandes esperanças - pela falta de dinheiro, como soubemos ter acontecido em certas regiões? Nenhum católico, verdadeiramente responsável por suas obrigações, poderá recusar-se a dar espontaneamente auxílio monetário a essas necessidades.

24. Não ignoramos as angústias dos tempos; nem as dificuldades que afligem as antigas dioceses da Europa e da América. Mas, se reduzirmos a número a questão, com toda a facilidade se verá que a sua pobreza, comparada às condições tristíssimas das missões, poderá ser considerada quase abundância. Vã comparação, aliás, pois não se trata aqui de fazer cálculos, mas de exortar todos os fiéis, como já o fizemos noutra ocasião, "a militar sob a bandeira da abstinência cristã e do dom de si, não se contentando com o que a lei prescreve, mas virilmente, na medida do estímulo da graça de Deus e da própria condição... o que alguém subtrair à vaidade, empregue-o na caridade - acrescentamos - e atenda, misericordioso, às necessidades da Igreja e dos pobres".(16) Que esplêndidas obras um missionário, paralisado hoje pela indigência, impedido em seu ofício apostólico, poderia realizar com o dinheiro gasto tantas vezes pelos fiéis em prazeres passageiros! E preciso, portanto, que todo filho da Igreja, toda família, todo grupo de cristãos se examine diligentemente. Tendo presente na memória: esta é "a graça de N. S. Jesus Cristo que, sendo rico, por nós se fez pobre, para vos enriquecer com sua pobreza" (2 Cor 8, 9), dai algo do vosso supérfluo e, algumas vezes, até mesmo do que vos é necessário! E lembrai-vos: de vossa generosidade depende mais amplo desenvolvimento da religião, nova beleza cobrirá a terra, se a caridade triunfar.

3) As vocações missionárias

25. A Igreja na África, como nas outras regiões missionárias, tem necessidade de mensageiros do evangelho. De novo, pois, apelamos para vós, veneráveis irmãos; por todos os meios a vosso alcance, auxiliai aqueles que, por inspiração divina, sacerdotes, religiosos ou religiosas, são chamados a exercer as funções missionárias.

26. Pertence-vos, como acima dissemos, fortalecer os espíritos dos fiéis e suscitar tal interesse, que participem de todas as solicitudes da Igreja e, de boa vontade, prestem ouvidos ao Senhor que, outrora como em qualquer tempo, ordena: "Sai de tua terra e de teu povo, e da casa de teus pais e vem para a terra que eu te mostrarei" (Gn 12, 1). Se nos lares, nas escolas, nas paróquias, nas reuniões da Ação católica ou de qualquer associação religiosa, aprenderem os homens a se interessar por essas preocupações verdadeiramente católicas, sem sombra de dúvida surgirão ministros em socorro da Igreja, que deles necessita para difundir a palavra divina entre os povos. E é de se notar que o ardor pelas missões, despertado em vossas dioceses, será penhor de novo entusiasmo pela vida cristã, nelas aceso. Uma comunidade de fiéis que dá a Igreja os filhos e as filhas, de modo algum poderá desaparecer. Se a vida sobrenatural é vida de caridade e aumenta com o devotamento, pode-se afirmar que a vida católica de uma nação se mede pela parte espontaneamente tomada nas obras missionárias.

27. Mas não é bastante cuidar de que as atenções se voltem para essa questão; exige-se mais ainda. Existem muitas dioceses onde, pela graça de Deus, há tantos ministros sagrados que nenhum prejuízo sofreriam, caso quisessem fazer o sacrifício de alguns sacerdotes. A essas, muito particularmente e com paterna solicitude, lembramos a sentença do evangelho: vosso supérfluo, dai-o aos pobres (cf. Lc 11, 41). A nosso pensamento ocorrem os bispos nossos irmãos que, aflitos, vêem rarear espantosamente os candidatos ao sacerdócio ou à vida religiosa, sem poderem assim prover às necessidades espirituais de suas ovelhas. Participamos de suas ansiedades e a eles também dizemos como s. Paulo aos Coríntios: "Não haja penúria para vós e alívio para os outros, mas igualdade" (2 Cor 8, 13). Todavia, não fechem ouvidos essas dioceses pobres à voz suplicante que pede auxílio para as longínquas expedições sagradas. O óbolo da viúva nos foi dado como exemplo pelo Senhor; se alguma diocese pobre ajudar a outra, não se tornará mais pobre por isso; seria impossível. Deus não se deixa vencer em generosidade. 

28. Para a solução mais eficaz das múltiplas questões ao recrutamento e escolha dos missionários, não bastam de forma alguma esforços isolados. Delas tratai, veneráveis irmãos, em reuniões, para resolvê-las servi-vos das instituições, se as houver, que em vosso país se devotam às missões. Desse modo, com maior facilidade podereis aplicar os meios mais eficazes para despertar entre os jovens vocações missionárias, e mais leve se tornará vossa responsabilidade pelo progresso seguro do bem comum da Igreja. Favorecei em vossas dioceses a União missionária do clero, tão recomendada por nossos predecessores e por nós mesmos. Já a elevamos à dignidade de Obra pontifícia, de forma que a ninguém é lícito duvidar da grande estima que lhe dedicamos, nem da esperança de frutos provindos de seus progressos. Unam-se, pois, estreitamente, os esforços provocados pelos pastores da Igreja e pelos encarregados das santas missões, visto que o bom êxito depende sobretudo da concórdia. Apraz-nos lembrar aqui os presidentes nacionais das Pontifícias Obras Missionárias, cujos esforços encorajareis, sustentando com vosso zelo e autoridade seus conselhos diocesanos. Fazemos igualmente menção dos superiores das beneméritas Instituições, para as quais a Santa Sé não cessa de apelar em prol das prementes necessidades das missões, e que não podem aumentar o número dos missionários sem o benévolo apoio dos ordinários. Procurai, de comum acordo, conciliar os interesses verdadeiros, atentamente pesados. Se, no momento, parecerem esses divergir, por que não considerá-los novamente, com o vigor de uma fé viva e a causa sobrenatural da unidade e catolicidade da Igreja posta diante dos olhos?

29. Com o mesmo espírito de caridade fraterna, esquecida dos interesses próprios, velai por que os jovens africanos ou asiáticos que, por motivo de estudos, residem temporariamente em vossas dioceses, recebam assistência religiosa. Afastados das relações sociais de sua pátria, freqüentemente por várias causas não tem bastante contato com os centros católicos do povo que os hospeda. Com isso, sua vida cristã pode correr perigo, porque, não percebendo ainda o valor da verdadeira cultura a que aspiram, as seduções do "materialismo" os arrastam e as associações atéias tentam captar-lhes a confiança. Quanto isso importa, agora ou futuramente, vós bem o sabeis. Por conseguinte, atentos às preocupações dos bispos missionários, não hesiteis em designar para esse apostolado alguns sacerdotes, capazes e piedosos. Outra forma de auxílio, bem mais pesada, é dada por alguns bispos; embora lhes custe, consentem em que um ou outro sacerdote saia da diocese para ir, por algum tempo, pôr-se a disposição dos ordinários da África. É grande esse auxílio, pois para lá podem levar, sábia e discretamente, novas formas mais adaptadas de ministério sacerdotal, ou substituir o clero diocesano, onde este não for suficiente, no ensino sagrado ou profano. Exortamo-vos de bom grado a essas oportunas e frutuosas iniciativas. Se prudentemente preparadas e realizadas, trarão inapreciáveis vantagens à Igreja católica na África, portadora de tantas dificuldades e esperanças.

30. O socorro prestado às dioceses missionárias assume hoje nova forma, que muito nos agrada e é bem digna de vos ser proposta, antes de terminarmos esta carta. Muito eficaz é o auxílio dos leigos militantes, quase todos pertencentes às associações católicas nacionais ou internacionais, em favor das recém-fundadas comunidades cristãs. Essa cooperação pede interesse pelo bem de outrem, moderação e prudência; mas pode, e muito, ser de proveito para as dioceses sobrecarregadas de novos trabalhos apostólicos. Tais leigos, militando sob o estandarte de Cristo, sinceramente obedientes ao bispo, a quem pertence o apostolado como tal, em pleno acordo com os católicos africanos, gratos por esse auxílio fraterno, põem à disposição das dioceses recém-fundadas uma experiência antiga, seja na Ação católica e na ação social, seja em qualquer outro gênero particular de apostolado. Além disso - o que não é menos de vantagem - realizam mais depressa e com maior facilidade a união das instituições católicas de seu país com as congêneres, inúmeras, pertencentes a todas as outras nações. A todos esses, realizadores de tão importante trabalho em prol da Igreja, nossos sinceros agradecimentos.

 

IV.
 CONCLUSÃO

31. Levantando nossa voz, por séria exortação em favor das missões da África, nosso coração, como bem o compreendeis, veneráveis irmãos, não se esquece dos filhos que, noutros continentes, se dedicam à expansão da Igreja. Amamos a todos, e muito especialmente os que no Extremo Oriente sofrem tão atrozmente. Se a peculiar condição da África foi-nos ocasião de escrever esta carta encíclica, não queremos terminá-la sem lançar um olhar sobre todas as missões da Igreja católica.

32. Para vós, veneráveis irmãos, que recebestes o múnus pastoral de regiões, onde a semente do evangelho há pouco foi lançada, e que com grande trabalho fundais e consolidais novas comunidades cristãs, queremos seja esta carta, não apenas penhor de nossa solicitude paterna, porém mais ainda um testemunho pelo qual a sociedade universal fundada por Jesus Cristo, duramente despertada pela amplidão e dificuldade de vossas responsabilidades, reconheça ser seu dever auxiliar-vos o mais possível por orações, assistência material e ministério de seus melhores filhos. Que importância tem a grande distância material que vos separa do centro da cristandade? Não são os mais próximos do coração da Igreja aqueles filhos superiores em virtude e que sustentam coisas mais duras? Também a vós, missionários, sacerdotes do clero indígena, religiosos e religiosas, seminaristas, catequistas, leigos militantes sob os estandartes do evangelho, a todos vós, semeadores da religião de Jesus Cristo, espalhados por todo o mundo e ignorados, nosso testemunho de gratidão confiante. Continuai firmes na obra começada, orgulhosos de servir a Igreja, obedecer-lhe a voz e deixar-se levar sempre mais pelo seu espírito, unidos pelos laços da caridade fraterna. Grande conforto e penhor de vitória infalível será para vós, diletos filhos, pensar que a obscura e pacífica luta, empenhada em favor da Igreja, não é apenas a vossa luta ou a de vossa época ou país, mas o perene combate da Igreja, combate que todos os seus filhos têm o dever de travar com suma coragem, pois a Deus e aos irmãos devem o dom da fé recebido no santo batismo.

33. "Se prego o evangelho, não é para minha glória, pois me é imposta esta obrigação; e ai de mim, se não pregar o Evangelho" (1 Cor 9, 16). Tomamos para nós essas fortes palavras, para nós, vigário de Jesus Cristo, constituído pelo múnus apostólico "pregador e apóstolo... doutor dos povos na fé e na verdade" (1 Tm 2, 7). Invocando, pois, sobre as missões católicas o duplo patrocínio de s. Francisco Xavier e de s. Teresa do Menino Jesus, a proteção de todos os santos Mártires e a poderosa e materna guarda da Virgem Maria, Mãe de Deus e Rainha dos apóstolos, repetimos de bom grado à Igreja as vitoriosas palavras de seu divino Fundador: "Faze-te ao largo" (Duc in altum) (Lc 5, 4).

34. Confiante em que nossos pedidos serão atendidos com vontade enérgica por todos os católicos, a fim de que, pelo impulso da graça divina, possam as santas missões levar até os confins da terra o esplendor da verdade e das virtudes cristãs, juntamente com o progresso da civilização, concedemos de todo o coração, como testemunho de nossa paternal benevolência e penhor dos dons celestes, a cada um de vós, veneráveis irmãos, a vossos rebanhos e a um por um dos arautos do evangelho, tão amados, a bênção apostólica.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 21 de abril, na solenidade da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo do ano de 1957, XIX do nosso pontificado.

 

PIO PP. XII


Notas

(1) Cf. Bento XV, Carta apost. Maximum illud AAS 11(1919), pp. 440ss; Pio XI, Homilia Accipietis virtutem: AAS 14(1922), pp. 344ss; Pio XI Carta encíclica Rerum Ecclesiae: AAS 18(1926), pp. 65ss; Pio XII, Carta encíclica Evangelii Praecones: AAS 43(1951), pp. 497ss.

(2) AAS 44(1952), p. 370.

(3) Alocução de 1° de Maio de 1939, Discorsi e Radiomessaggi del S.S. Pio XII, I, 87.

(4) Encíclica Evangelii Praecones., AAS 43(1951), p. 507.

(5) Ibid., p. 505.

(6) AAS 48 (1956), p. 40.

(7) AAS 38 (1946), p. 20.

(8) Encíclica Mystici Corporis, AAS 35 (1943), p. 200.

(9) Ibid., p. 211.

(10) Ibid., p. 213.

(11) In Ep. Ioannis ad Parthos. Tr. X, n. 8, PL 35, 2060.

(12) Exp. in Ep. ad Rm. cap. I, lect. I, Ed. Parmae,1862, XIII, 4.

(13) Discorsi e Radiomessaggi del S.S. Pio XII, VIII, 328. 

(14) AAS 38 (1946), p.18.

(15) AAS 39 (1947), p. 556.

(16) AAS 42 (1950), p. 787.